
Não é mais fácil simplesmente seguir, aceitar o que nos dizem e olhar para onde apontam? Talvez. Mas eu vejo porque escolho ver. E porque vejo, escrevo. Faço poesia e amor. Sou um bom pai, um bom esposo. Companheirismo não me falta. Porque compreender o mundo não me afasta dele; ao contrário, me aproxima ainda mais. Não sou o diferente de todos, sou aquele que mais se conecta, porque acolho quando a noite vem. E a noite sempre vem.
Sou brasileiro também, mas não sou aquele que diz que não desiste nunca. Eu questiono por que tenho que lutar uma luta vã. Tenho um pequeno negócio que hoje é determinante para minha sobrevivência e, mesmo assim, perco sempre contra as regras de um mercado que não olha para quem está embaixo ou chegando. Esse mercado pega todas as minhas reservas e nada devolve, pois o marketing político do governo se apropria do desmantelo econômico e me passa o bastão da culpa e das adversidades. Mas eu vejo. E porque vejo, não aceito essa lógica imposta.

A sociedade ensina que é mais seguro não pensar, que o fluxo da vida deve ser seguido sem questionamentos. Mas a segurança da ignorância é uma prisão dourada. Quem escolhe ver sente o peso da lucidez, mas também carrega a beleza de entender os porquês. O empobrecimento cultural, a alienação, o fanatismo e a crise de identidade não surgiram do nada – são frutos de um longo processo histórico, de escolhas feitas e de caminhos negados. Ver isso é não se deixar domesticar.
Hobsbawm nos ensinou que a história é um fluxo contínuo, e que nela estão as respostas para o que vivemos hoje. Mas há algo que transcende a análise histórica: o olhar interior, aquele que nos faz perceber que, apesar de tudo, seguimos aqui. Se escrevo, é porque há algo a ser dito. Se penso, é porque há algo a ser entendido. Se amo, é porque há algo que ainda vale a pena preservar.
E não tenho essa religião aí de caixotes e gavetas, porque tenho conhecimento e experiência de uma outra forma de vínculo com a vida, mais atuante e consciente de que somos parte de um todo e não de uma parte que quer ganhar. A vida não se resume a um jogo de forças entre o lucro e a perda, entre a submissão e o domínio. Há algo maior, que transcende esse campo raso de disputas, e é nesse território mais amplo que eu escolho existir.
A noite sempre vem, e é nela que muitos se perdem. Mas também é nela que quem vê se torna abrigo. E eu sou abrigo porque escolhi ser. Porque vejo, porque entendo, porque não aceito o mundo como uma fatalidade. E, talvez por isso, enquanto tantos se conformam, eu insisto: na palavra, na poesia, no amor. E sigo, porque ver é só o começo. Porque há sempre uma fresta, uma possibilidade, um instante em que tudo pode ser reescrito. E enquanto houver essa chance, ainda que mínima, seguirei olhando, escrevendo, acolhendo – porque escolher ver é também escolher transformar.
Tristan Tell
Bacharel em Comunicação, habilitado em Cinema pela FAAP(1986-90). Jornalista c/ 31 anos de experiência em veículos de comunicação como TV Record, TV Bandeirantes e diversos jornais.
Músico ( EP – Espinha Dorsal) e Poeta é Autor de 06 livros
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