Olá, eu sou Marina. Provavelmente você não me conhece. Mas as chances de que conheça alguém que esteja passando pelo mesmo que eu nesse momento, são muito altas. E mais altas ainda são as chances de que ninguém esteja percebendo.
Se alguém for descrever minha vida dirá que faço parte de uma fatia privilegiada da sociedade. Não sou rica, mas tenho uma vida razoavelmente confortável. Um bom apartamento, um bom marido, tive dois filhos e pude me dedicar a eles em tempo integral, enquanto todos os dias mães choram no primeiro dia de creche dos seus bebês quando elas precisam voltar ao trabalho.
Passo meus dias dedicada à casa, aos compromissos escolares do mais velho e entre fraudas, papinhas e brinquedos da caçula de 9 meses. Conto com uma ajudante de meio expediente a qual espero todos os dias como quem está perdido no deserto espera a chegada do resgate. É sério, está incluso nas minhas orações, o pedido para que Dalva não perca o ônibus ou não tenha tido crise de enxaqueca na noite passada, porque a presença dela naquelas quatro horas me permite inspirações e expirações completas.
Enquanto penso nisso que estou te contando e caminho descalça no pavimento molhado de chuva nessa noite fria, faço uma recapitulação acelerada da minha própria vida. Vejo as cenas de trás para frente, por vezes com áudio, por vezes o som fica abafado pelas batidas do meu coração e o som da minha respiração curta e ofegante.
Enquanto caminho sem rumo cortando o vento e assisto as cenas da minha história que não param na tela da minha mente perturbada, percebo o quanto fui me perdendo de mim mesma na jornada da vida perfeita. Pauso algumas imagens de uma Marina que eu não reconheço mais. Que tinha planos, projetos e vontades próprias. Que caminhava pela vida descortinando seus próprios véus. E agora os véus são tantos que se enroscam nas minhas pernas e me impedem de caminhar.
Pensei que aqui fora encontraria o ar que estava faltando lá dentro do meu apartamento aquecido. Mas vagando pela calçada de pedras irregulares que esfolam meus pés sem que eu sinta a dor, preciso imprimir o mesmo esforço para respirar.
Não tem ar, nem dentro, nem fora da caixa! Talvez eu seja a própria caixa. Talvez não tenha nada externo do que fugir porque eu me tornei minha própria prisão.
Já ouço as suposições e julgamentos. Afinal, por quê? Ela tinha tudo! Tanta gente daria o mundo por uma família. Falta de Deus!
Mas não importa, as minhas mãos cravadas no parapeito da ponte me dão suporte para tentar mais algumas inspirações profundas enquanto comtemplo a água revolta que parece sorrir sedutora para mim.
O contraste das lágrimas quentes escorrendo pelo meu rosto gelado me faz lembrar por um instante que estou viva. Ou pelo menos meu corpo ainda está. Fito mais uma vez o infinito a minha frente e sem olhar para baixo impulsiono meu corpo para cima com as mãos apoiadas no parapeito tirando meus pés do chão e então num derradeiro esforço me lanço de cabeça das alturas em direção ao rio.
Estranho! Imaginei que acabasse mais rápido. Tudo ficou em câmera lenta. Sinto somente um zumbido no ouvido enquanto slides felizes da minha vida passam em tamanho grande a frente dos meus olhos vidrados. Até que finalmente acaba. Como no teatro ao final do espetáculo, só que sem aplausos. Só escuro e silêncio.