Testes de cosméticos em animais: questões bioéticas e testes alternativos.

Por Bianca Marigliani e Thales Tréz

A bioética não é apenas uma área da filosofia que se ocupa de entender, criticamente, nossa relação com os demais seres vivos. É também uma ferramenta que nos ajuda a fazer escolhas saudáveis, responsáveis e sustentáveis. Ela tem aplicação prática, e isso é muito importante para nossa espécie humana. É através da bioética que podemos avaliar se o que estamos fazendo, ou no caso, o que estamos consumindo, faz bem ou mal para outros animais.

Neste suplemento especial, passamos a conhecer a triste realidade de milhares de animais que são submetidos a diversos testes para, dizem, “garantir a segurança” dos produtos cosméticos para nós. Mas a questão bioética maior é: temos esse direito? É cada vez mais difícil responder, com a razão, que sim. A própria ciência, que sustenta muito do pensamento bioético, vem contribuindo enormemente para esta questão. Os estudos científicos sobre o comportamento animal (etologia) vêm demonstrando que estes animais são muito mais parecidos com nós, humanos, do que sempre se imaginou. Tudo aquilo que sempre nos diferenciou parece estar desmoronando. Sabemos agora, a partir destes estudos, que muitos animais possuem consciência, são capazes de se emocionar, brincar, possuem uma linguagem complexa, formam laços afetivos, tem noção de sua própria existência, possuem memória. Sentem dor, desconforto, sofrem. Em julho de 2012, eminentes neurocientistas publicaram a famosa Declaração de Cambridge, onde afirmam haver provas substanciais da existência da consciência em todas as espécies de vertebrados, além de alguns outros invertebrados (como o polvo). Vale a pena pesquisar e ler sobre seu conteúdo. A verdade é que cada vez mais surgem evidências de que existe um universo complexo e sensível nestes animais. Nenhuma novidade para quem convive com eles de perto, certo? Quem se abre para estes outros mundos, percebe que estão longe de serem máquinas, objetos, coisas, itens, instrumentos, modelos. A verdade é que nos tornamos mais humanos ao reconhecer este universo. Mais empáticos, mais compassivos. Portanto, dificilmente há justificativa para este tipo de prática. E não se trata de parar com a produção dos cosméticos, ou com os testes de segurança. Não é nada disso.

Para além dessa reflexão sobre quem são estes animais usados pela indústria de cosméticos nos testes, temos um outro aspecto importante a ser considerado. Estes testes não garantem segurança nenhuma! Na verdade, os testes com animais partem de uma premissa antiga, já desatualizada, de que o que ocorre fisiologicamente com animais é muito parecido com o que ocorre em nós, humanos. Há um erro grosseiro nessa ideia. Somos espécies distintas, e não podemos afirmar que uma substância que se mostrou segura em animais é, por tabela, segura em humanos. Cada espécie possui uma genética própria, com um metabolismo particular, e cujo organismo responde ao meio de forma muito sensível. Um mesmo experimento conduzido em uma mesma espécie pode levar a resultados totalmente diferentes, dependendo das condições de criação destes animais. Sabendo disso, a própria ciência passou a desenvolver testes que não dependem mais de animais para avaliar a segurança de diferentes produtos. Utilizam-se diversas tecnologias e abordagens, todas elas baseadas em dados ou material biológico da nossa espécie. Faz muito mais sentido, não é? Culturas de células e tecidos, modelagem matemática, simulações computacionais, estudos químicos e estruturais das substâncias, e uma boa mistura de tudo isso, garantem dados muito mais relevantes para avaliar se um produto pode ser usado com segurança por nós. Esses métodos de pesquisa que não usam animais foram chamados de “alternativos” — termo que vem sendo substituído por “novas abordagens metodológicas” — e são uma tendência tanto na indústria de cosméticos quanto na pesquisa e até na indústria farmacêutica. São mais baratos, demoram menos para serem realizados, e os resultados são mais aplicáveis à condição humana. Portanto, mais seguros. E o mais bacana: não há sofrimento, não há uso nem descarte de animais! Ciência e bioética podem andar juntos, assim como beleza e sustentabilidade.

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