A dificuldade da mulher de se aposentar e as experiências de uma advogada diante dos relatos de abuso físico e psicológico – Por Carla Benedetti

Uma mulher que é abusada psicologicamente. No cenário, é possível observar a dificuldade de Alex se reconstruir e de explicar como sua vida foi sendo perdida em razão da interferência de um companheiro, que minou seus sonhos, sua liberdade, sua essência, retirando ainda sua autoestima e confiança.

O abuso psicológico é entranhado, mas não pouco corriqueiro na vida das mulheres. É um abuso emocional, existente nos círculos mais íntimos.

As feridas de Alex não ficam visíveis por meio de hematomas, mas são profundas na alma, e se tornam triviais, a ponto de nos acostumarmos com os estragos pouco conscientes em nossas mentes.

E é pensando na série Maid, que retrata a história de Alex, que também descrevo as minhas experiências como advogada, nesse cenário de abuso físico e psicológico que permeia a vida de tantas clientes minhas ao me pedirem um benefício previdenciário ou assistencial.

Algumas vezes, na função de advogada, tive a tarefa de conquistar uma aposentadoria para clientes que relataram serem vítimas de diversos abusos de natureza física e psicológica. Me diziam, que com o benefício, poderiam finalmente viverem sozinhas e não se submeterem mais a tantas humilhações e agressões. Para outras, infelizmente, não havia sequer alternativa a fim de que uma separação fosse mais sustentável, pois o marido, além de proibi-las de trabalhar, nunca sequer contribuiu à Previdência Social, não garantindo a estas, nem mesmo uma aposentadoria.

E daí surge o questionamento já culpabilizando essas mulheres: “por que elas se submeteram a essa realidade e não procuraram autonomia, não saíram de perto do agressor”? Bem, porque há uma cultura patriarcal tão enraizada na sociedade e no interior dessas mulheres, por meio da educação perpassada ao longo dos anos, que elas de fato acreditam que não sejam capazes ou que não conseguem mudar uma realidade na qual entendem que devem se manter caladas.

Mas voltando à minha experiência enquanto advogada, segundo dados do último Anuário Estatístico da Previdência Social – AEPS, as mulheres são a maioria entre os que se aposentam por idade, por representam 64%, com benefícios em torno de um salário-mínimo. Todavia, na modalidade por tempo de contribuição, em que os rendimentos são maiores, estas representam apenas 30% dos beneficiários. Nesse cenário, menos mulheres conseguem se aposentar, têm menos emprego e mais informalidade.

Em tal contexto, soma-se à dificuldade, além dos cuidados quase sozinhas com os filhos e o lar, a dependência das mulheres para com seus companheiros, que por muitas vezes minam as possibilidades de estas ascenderem no mercado de trabalho, e na hora de requerer uma aposentadoria, a dificuldade é grande.

Sem emprego ou vínculo empregatício formal, muitas mulheres se dedicaram aos afazeres domésticos, em contrapartida, seus companheiros nunca contribuíram para a Previdência Social para que estas no futuro pudessem gozar de uma aposentadoria, sem usufruir, muitas vezes, de um mínimo de dignidade.

Um Benefício de Prestação Continuada – BPC – muitas vezes também se torna uma tarefa complicada, visto que se deve comprovar miserabilidade econômica da família, e se a renda do companheiro, por menor que seja, ultrapassa um salário- mínimo, quase sempre, salvo em famílias mais numerosas, se torna impossível conquistar esse benefício para a mulher que nunca tenha recolhido previdência, ou por pouquíssimo tempo. E o cenário de subordinação dessa mulher na vida de seu companheiro se perpetua até a morte. Pouca autonomia e pouco desejo são garantidos a ela.

Como se não bastasse, de acordo com as rigorosas mudanças da mais recente reforma da previdência, também no benefício de pensão por morte, se o companheiro vier a falecer, a renda do benefício não será mais a de 100%, mas a de 60% da aposentadoria por invalidez que o falecido teria direito, caso não haja mais dependentes.

Ou seja, há uma desvantagem considerável em ser mulher e ter acesso a benefícios previdenciários e assistenciais e garantir uma vida digna. Um cenário de dependência econômica, muitas vezes acompanhada pela submissão psicológica e emocional que alimenta e perpetua o cenário horroroso de abuso que por vezes essas mulheres estão inseridas.  Por todo exposto, faz-se urgente que haja políticas públicas para que a desvantagem social e previdenciária feminina seja amenizada. Aproveito o ensejo e deixo um recado às mulheres que sofrem abusos para saírem do ciclo de submissão e conquistarem trabalho, benefícios previdenciários e muitos sonhos: tenham coragem para interromper esta engrenagem tortuosa, vivendo a beleza de se libertarem das intimidações da vida, das de seus companheiros e da sociedade.


Carla Benedetti
Advogada
@CarlaBenedettiAdv

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