Comecei com fotografia de aventura e viagens, Fernanda Preto em entrevista à PHOTO MAG

PHOTO by Verve
Entrevista de Capa:
Fernanda Preto
A fotografia foi e continua sendo a única forma de eternizar algo que é importante, seja esse algo um lugar, um objeto, um momento especial ou até mesmo pessoas especiais. A fotografia foi um importante instrumento para gravar momentos sobre a história da humanidade. Na entrevista a seguir, Fernanda Preto fala sobre sua formação, primeiros trabalhos e projetos que têm em andamento, seu processo criativo e sua visão sobre o futuro da fotografia, em um momento em que a popularização dos telefones celulares torna a prática acessível a um número inédito e crescente de pessoas no mundo.

PHOTO – Qual a sua formação e como você inciou na fotografia?
Me formei em fotografia na Escola Panamericana de Artes em São Paulo em 2000 e em Artes Visuais na Universidade Tuiuti do Paraná em 2005. Fiz alguns cursos na International Center of photography em NY, mas comecei mesmo com a fotografia durante um intercâmbio nos Estados Unidos, em 1995. Na época a escola pública tinha aulas de Laboratório P&B e artes gráficas, photoshop, etc.
Quando retornei do intercâmbio em 1996 fui pupila de uma fotógrafa, a Zóia, na minha cidade, Campo Grande, MS. Ela me deixava o dia todo no lab. Fiz minha primeiro exposição aos 16 anos sobre o lixão da cidade. A fotografia vem de minha mãe, ela fez curso de foto por correspondência, tinha uma Olimpus e sempre fotografou tudo, eventos de famílias, vida pessoal, tenho tudo aqui documentado. Sempre que lembro dela na minha infância, lá estava ela com a câmera. Em 2000 eu fui de voluntária-intérprete em um evento de aventura no Nordeste Brasileiro por 1 mês, passando por Cará, Piauí e Maranhão. Durante este trabalho fotografei tudo em filme p&b. Conheci muitas gente de SP, da área editorial e quando voltei consegui uma matéria de 10 páginas na revista Aloha na época. Aí comecei meu caminho na fotografia editorial de aventura e viagens. Durante este início, tive muitos encontros com pessoas de extrema importância no meu caminho da fotografia.

PHOTO – Você acha que é ou está no caminho de ter uma estética própria, difícil de confundir?
Sempre tive uma enorme paixão por viagens e histórias das pessoas. Meu maior prazer dentro dessa profissão é poder compartilhar da vida das pessoas seja numa conversa despretensiosa durante um café, ou no silêncio profundo de um olhar durante um retrato. Claro que tive grande influência de fotógrafos incríveis da National Geoagraphic, que me levavam longe com cada imersão na vida e cultura pelo mundo afora. Então por muito tempo fui pautada por este olhar em fusão com o meu.
Durante os anos de 2002 a 2005, acho que foi a grande virada neste olhar, nesta minha percepção sobre mim, sobre o outro e sobre como eu era capaz de criar minhas próprias imagens que não fosse somente um olhar documental e de registro. Foi durante a faculdade de artes visuais que me posicionei em relação as minhas próprias amarras, ao meu próprio olhar engessado. Lembro que o ponta pé inicial nesse caminho foi um exercício de pegar um negativo, desenhar nele e depois revelar e ampliar essa imagem feita totalmente por mim. Ali percebi o poder de criação, a sensação de me satisfazer durante o processo de me reconstruir enquanto artista. E então não parei mais. Então sim, é possível chegar a uma estática própria à partir de si mesmo e dos próprios emaranhados.

PHOTO – Suas imagens são mais retratos, paisagens urbanas ou fotos sociais e corporartivas? O que mudam quanto a perspectiva de quem vê seus trabalhos?
Dentro da fotografia já fotografei de tudo. Comecei com fotografia de aventura e viagens, passei por trabalhos de fotografia institucional e uma experiência de fotografia na Amazônia fotografando projetos para ONGS, Fundações privadas e de terceiro setor, matérias para revistas como Veja e correspondente internacional. Depois de 2009 a 2016 montei o Ensaio Pitanga, fotografia sensual de mulheres, trabalhei para revistas do segmento masculino, dei workshops palestras e fotografei muita mulher ao longo desses anos. De 2013 até 2018 me dediquei aos meus trabalhos autorais com imagem, vídeo-performance, foto-instalação, muita exposição, etc. Fiz uma transição de carreira, aliás, ainda estou, em 2019 comecei meus estudos em fotografia terapêutica, desenvolvi o método CorpoMemória que usa a fotografia como ferramenta base em processos de transformação pessoal e autoconhecimento.
Acredito que a fotografia nos coloca neste lugar de mil possibilidades de aplicação. A ferramenta é sempre a mesma, mas nos dá essa facilidades de caminhar por diversos universos, e eu, preciso disso.

PHOTO Você se identifica com a fotografia autoral e seu processo criativo?
A fotografia é sempre autoral, pensando na questão de quem faz. O olhar é sempre único, individual e pessoal. Pode ser influenciado pelo meio, mas que o faz é o indivíduo e portanto, o autor. Mas dentro das inúmeras possibilidades das artes, se descobrir enquanto criador de uma narrativa é primordial. Quando entendi isso no meu primeiro trabalho na faculdade de artes, passei a viver sem os limites dos recortes dados ao campo da fotografia.

PHOTO – Qual a sua visão sobre o futuro da fotografia, em um momento em que a popularização dos telefones celulares torna a prática acessível a um número inédito e crescente de pessoas no mundo?

Do ponto de vista negativo existem várias questões presentes, tendo como início o advento dos smartphones entre 2002 e 2007, quando a fotografia cria uma grau de autonomia nunca antes visto, e passamos a ser capturadores de imagens, gerando volumes imagéticos nunca antes vistos, onde os aspectos dessas imagens vão sendo naturalizados, deixando de lado a importância cuidadosa desse registro e passando a ser realizada de forma cotidiana quase que obsessivamente.
Acho que nos provoca um não reconhecimento da própria imagem e está se tornando um problema cada vez mais grave nos tornando-nos seres infelizes e insatisfeitos com quem somos.
Como consequência desse processo, o volume aumentado de capturas da imagem de várias pessoas ao mesmo tempo, é possível sinalizar as insatisfações quando uma imagem desagradável é revelada e vai de encontro às redes sociais e muitas vezes contra a vontade do outro, expondo o sujeito a críticas que muitas vezes não está preparado para receber.
Afetando diretamente a autoimagem, que nos dá sustentação do nosso ser real e
do nossos ser subjetivo, autoestima, que expressa nossos sentimentos de suficiência e capacidade, e o senso de pertencimento de si mesmo, nos sentimos deslocados de nós mesmos, dessa imagem que o outro detém.
Por outro lado, é uma ferramenta que também entrega um “lidar com a realidade” da vida, pois tudo é imagem, e em algum momento ela nos coloca de frente com a realidade.

PHOTO – Que papel espera que suas fotos tenham para os seus clientes e pra si?
Sabe-se que a possibilidade de se ver retratado, contido em formato de uma
imagem física, sempre nos causou imensa reflexão. Reflexão profunda que interfere diretamente na construção de nossa identidade, que hoje sabemos complexa, enquanto indivíduos em constante transformação.
Com a ampla disseminação da imagem digital, o poder exercido em nossas vidas
pelas imagens de nós mesmos, do mundo e dos outros, tem efeitos avassaladores, positivos e negativos para o nosso bem-estar. Essa disseminação afeta o processo de aceitação da própria imagem.
No trabalho que realize hoje, o que me importa é ressignificar a imagem que o sujeito tem de si mesmo e do mundo a sua volta.

PHOTO – O que é preciso fazer para o público em geral perceber (quem ainda não notou) a imensa dimensão de nossa arte da fotografia, em todas as direções?
Percebo que em todo momento de mudança de paradigma passamos por situações extremas, para então conceber um entendimento mais aprofundado do tema. Na fotografia não é diferente, já que podemos dizer que tudo é imagem, hoje, como estamos utilizando através da exposição extrema em redes sociais, de alguma forma estamos distorcendo o uso da fotografia, utilizando para distorcer a imagem que queremos ter da gente e que os outros tenham também.
Vejo que só passando um processo de auto validação à partir da auto observação é que vamos conseguir nos alinhar com o potencial positivo da fotografia em nossas vidas.

PHOTO – De que forma o avanço das tecnologias impacta a qualidade da fotografia?
Acho que o grande impacto da tecnologia, vai para além dela própria, que nos aproxima cada vez mais da realidade como a vemos e vivemos, mas também nos coloca em um lugar de novos criadores de uma realidade ainda não conhecida. Este campo do desconhecido também sempre tem o lado obscuro. A hiper realidade nos coloca frente a frente com uma imagem que muitas vezes desconhecemos de nós mesmos, e isso tem causado muito desconforto. A saúde mental nunca esteve tão ruim como agora.

PHOTO – Quais seus fotógrafos preferidos nacionais e internacionais e por qual motivo eles lhe inspiram?
Diane Arbus, sua paixão pelo mundo fora do padrão no qual vivia. Suas imersões em uma realidade íntima.
Elisa Miralles, sua coragem sobre o feminino
Cig Harvey, inspiração na natureza transformada e nas imersões em família
Cindy Sherman, sempre se utilizando como objeto a ser estudado
Francesca Woodman, delixadeza e densidade nos autorretratos
Sally Mann, audácia e sutileza com contéudos familiares fortes
Mario Cravo Neto, intimidade em um universo forte. Densidade nas cores.

PHOTO – Temos um poder criativo incomparável. Se nos derem as mínimas condições vamos transformar nosso país em uma potência. Estamos a caminho? É um movimento irreversível?
Acredito que dentro de cada um de nós existe uma potência em ebulição. Talvez muito mais que mínimas condições precisamos de amor próprio. Mais do que urgente é preciso se olhar, se ver com olhos de verdade, de possibilidades, de entendimento de que somos únicos e não somos outros. Que somos o que podemos ser dentro da experiência de vida de cada um. Em um mundo onde a imagem também provoca a vontade de ser o outro, mais do que nunca o trabalho deve ser em como fazemos para permanecer em nós mesmos.

PHOTO – Quais os próximos projetos em vista e ou já em andamento?
Sigo com o Método CorpoMemória onde os processos terapêuticos imagéticos são meu trabalho atual. Desenvolvendo atendimentos individuais e coletivos.
Amazônia também é uma paixão, uma necessidade, e sempre os projetos estão acontecendo.
Também estou a frente do Aflora Sustentabilidade humana que utiliza o método CorpoMemória para formação de redes, diagnósticos sociais e mediação de conflitos.

PHOTO – Nos últimos anos, com as câmeras digitais, a fotografia se popularizou. Hoje, todo mundo se acha um pouco fotógrafo. É possível comprar fotos em grandes bancos de imagens a por centavos. Por outro lado, o preço dos equipamentos de qualidade ainda é muito alto. Qual a sua visão sobre o futuro da fotografia? Haverá espaço para que tipo de profissional?
Acredito que sempre haverá espaço para todo tipo de profissional, pois estamos sempre, o tempo todo nos reinventando. Sempre há lugar para todo tipo de proposta, e isso não deixará de acontecer com a fotografia.

PHOTO – Sempre haverá espaço para os profissionais — de moda, publicidade, jornalismo, gastronomia, arquitetura e casamento.
Talvez, esse futuro seja mais múltiplo. Onde as pessoas tenham vários arranjos profissionais. Onde todas as experiências de uma vida nos coloque em infinitas possibilidades de trabalho.

PHOTO – A fotografia autoral lhe interessa, pois de fato é a que mais tem evoluído?
Como disse anteriormente, sou formada em artes visuais e a fotografia pra mim passou a ter um lugar só meu de expressão do meu mundo interior. Temas como memória afetiva, família, corpo, sensualidade e beleza estiveram presente ao longo da minha jornada. Produzi muitos trabalhos nesse linha durantes os anos de 2002 a 2018.

PHOTO – As redes sociais são de extrema valia. Poder publicar o que é feito ajuda a avaliar o trabalho, corrigir os erros, aprofundar a pesquisa. Qual a sua opinião?
A redes sociais vieram pra ficar. Se tivermos discernimento na sua utilização, sim, podemos nos aprofundar e utilizar em benefício próprio. Porém, não vejo como um lugar de validação, de avaliação ou de correção. Vejo como um lugar de exposição, e isso tanto para quem se expõe quanto para quem vê, é preciso ter cautela em como isso se ocupa na vida “real” em termos de saúde mental.

PHOTO – Mesmo fotógrafos profissionais, cada vez mais, utilizam o celular, até pela praticidade. Mas praticamente todos os aparelhos tem um mesmo tipo de lente, as 28mm. Essa homogeneização impacta de alguma forma a estética fotográfica do nosso tempo? Se sim, de que forma?
Acredito que impacta sim, embora alguns celulares já tem a tecnologia das lentes zoom, com desfoque, etc. Muda toda uma ambiência imagética cultural. Onde talvez nada mais é calcado no mistério das sutilezas e sim na entrega total de uma paisagem, de um corpo, de uma história.

PHOTO – Há paralelos como outros períodos da história, como quando surgiram as câmeras 35mm, por exemplo?
Sempre terá! Toda vez que algo novo surge, algo muda, transforma a percepção de como nos vemos e somos vistos. Com a imagem, mais ainda. Imagina que antes da fotografia era algo impossível de se imaginar, se ver num pedaço de papel impresso!

PHOTO – Como é hoje seu processo de criação? Como define os temas que vai fotografar?
Hoje eu fotografo meu cotidiano. Também gosto muito de me autorretratar. É um exercício diário terapêutico. Mas hoje eu trabalho com imagens de clientes durantes os atendimentos terapêuticos, isso inclui, álbuns de família, fotos feitas pelos clientes, fotos feitas por mim durante o processo todo, imagens de recorte, de internet, e os ensaios fotográficos de mulheres.

PHOTO – Que equipamentos tem usado atualmente?
Uso uma câmera 5DMARKIII – LENTES, 24-70mm, 70-200mm e 85mm 2.8, e uma 50mm 1.8. Uso também um conjunto de lentes lens baby que trazem uma ótica de câmeras antigas, como pinhole, fole, plástico.

PHOTO – Informações de contato e redes sociais…
Fernandapreto.com
Corpomemoria.com
Aflorahumana.com
info@fernandapreto.com
@fernandapreto

Currículo

Nasci em Cianorte em 1978. Fui criada em Campo Grande, MS. Já morei em Prescott, EUA, Granada, Espanha, Curitiba, Manaus, São Paulo. Sou formada em fotografia pela escola Panamericana de Artes em Artes visuais pela Universidade Tuiuti do Paraná e Pós-graduada em Psicologia positiva, autorrealização e bem estar pela PUC-RS, Master em Programação Neurolinguística pela SBPNL – Sociedade Brasileira de Programação Neurolínguistica, Inner vision – leitura corporal pelo IES – Instituto Eduardo Shinyashiki, Fotografia Terapêutica pela Robert Gordon University Aberdeen, UK.,  Consteladora Familiar Sistêmica pelo Instituto Koziner, Psicogenealogia com Mônica Justino e Coaching e Mentoring pela FGV.
Memória e imagem tem sido assunto constante em minha produção utilizando a fotografia, vídeo-performance e instalações como meios em meu trabalho. Em 2004 durante a faculdade de Artes fui selecionada para o Projeto Mezanino de Fotografia do Itaú Cultural e, em 2005, para a mostra Erótica, no Centro Cultural Banco do Brasil, pelo curador Tadeu Chiarelli.
Participei de diversas feiras na Galeria Diana Lowenstein Fine Art, em Miami; Maco Art Fair, Chicago Contemporary & Classic Art Fair; Art Basel Miami; Arte Américas.
Fotografei para clientes como: Nestlé Suíça, The Nature Conservancy, MUSA – Museu da Amazônia, SDS – Secretaria de Desenvolvimento Sustentável do Estado do Amazonas, FDB – Fundação Amazônica de defesa da Biosfera, CSF – Conservação Estratégica, Petrobrás Cultural, Instituto Juruá e colaborei para revistas como National Geographic Traveler e Audubon.
Já cobri expedições no Nepal, Nordeste Brasileiro e Amazônia, por onde vivi por quase 3 anos trabalhando com questões sócio-ambientais.
Minhas principais exposições incluem: 
Señores, esto es una teta, exposição Galeria Povvera, Monat Der Fotografie Off, Berlin, Coletivo 50 artistas, Arte/Formato , Time and Space Czong Instituto de Arte Contemporânea, Coréia do Sul , Sobre Ela  Individual Galeria Tato, Arte Londrina 4, Alguns desvios do corpo, DAP, Contraprova, Paço das Artes, SP, Erotica, CCBB.
Atualmente vivo em Gonçalves, MG, desenvolvendo projetos a frente do CorpoMemória, processos terapêuticos e AFLORA Sustentabilidade Humana.

https://www.instagram.com/fernandapreto/

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